Se és 1080, eu sou 240
Sim, os Coldplay têm a sua piada:
vocalista bem-parecido, melodias açucaradas e refrões que recusam a desaparecer.
Sim, percebo. Agora preencham lá o recinto do Optimus Alive, recheiem-no de
t-shirts dos Muse e trauteiem a nova musica 1080p do refrão da moda que passa
disfarçado e camuflado na discoteca que se “preze”. Mas permaneçam lá, enquanto
for apenas esse estádio onde querem jogar.
Agora,
não teimem em apresentar breguilhas abertas à espera de prazer oral, daos meninos
das Bravos, Teen-Qualquer Coisa, e numa galáxia infelizmente não tao distante,
das Blitzs e Metal Hammers deste mundo, que há quem não nasceu para o bonito e
fácil.
Não
me insiram nessa realidade e não tentem interligar a minha e a tua. Pelo menos
não enquanto o vosso clímax não for atingido ao som daquela guitarra suja e da
voz podre a soar a tubo de escape de mota velha. Porque é nesse mundo que me
insiro.
E a
quem neste meu mundo pertence, não lhes peçam o rabo, nem neste cuspam e teimem
com lubrificante, de modo a ficar apresentável, anti-aderente e convidativo ao
orgão já levantado pelo novo clip do Bruno Mars, ou pelo som daquele assim para
o “modernaço”, seja comercial, seja pseudo-alternativo, única sonoridade ao
qual se prazeriam manualmente os críticos gratuitos, que na vida toda só
mantiveram o pau duro durante música em 1080p.
Enquanto
fores única e exclusivamente um Bon Jovi, um Bruce Springsteen ou até mesmo
um Jack White, e, mais dentro da minha família, os Bring me to the Horizons,
Triviums e Killswitch Engages deste mundo, vou berrar, sujar, vomitar e
apodrecer tudo o que para ti é considerado musicalidade. E vou gostar. Vou
saborear cada gota de suor que me toque nos lábios e vou aproveitar cada dedo
do meio levantado como resposta a olhares condescendentes e “Sabe-Tudos” que
não sabem que nada sabem. Porque no universo do 1080p, apenas existe uma forma
de tocar. No meu universo, rezamos ao altar do Mau, do Porco e do Feio e
aceitamos a imundice como um instrumento em si
E
quem se sentir ultrajado por serem ignorados os cânones estabelecidos das suas
(M)en(T)es (V), e necessitarem ser benzidos com cotonete, rogando pragas e
veneno, só p’ra eles venenoso, à nossa vontade de seguir as pegadas lamacentas dos
Lemmys, Iggy Pops e outros “porcalhões” deste
mundo, cuspam-lhes o escarro preto, que
a partir do momento em que o cão desdentado e descabelado é atiçado, tem todo a
razão em ser cuspido.
De
headphones a vibrarem a tua individualidade, caminha e deixem-lhes olhar a tua
traseira impenetrável, deixa sair o sorriso, ao reparares na sua dificuldade em
sentar-se.
No
palco, venera a tua incapacidade de ser o menino bonito em 1080p, evoca o
espírito que comanda isto tudo e o tal sorriso, com os dentes todos, há de deixar as bocas dormentes esconderem-se
na sombra para limpar os restos de esperma dourado, queimadas, afugentadas pela
blasfémia com que te encaram e ainda sem perceber o porquê do seu intestino
grosso estar ligado à fala.
Usa o 240p como veste, e não a laves, deixa-a
suja, se é assim que gostas. Sei que é assim que eu gosto.
Cronica: Pedro Santos
Sangue Fresco
Digo isto, porque ultimamente, tenho sentido uma lufada de ar fresco nos concertos locais. Digo com todo o carinho que tenho que me alegra imensamente ver estes rapazes sebosos, suados do headbang, de punho no ar, a soltar o que a semana trouxe de mal às suas vidas, e cuja compreensão pela sua “geekness” só é feita dentro das quatro paredes do recinto do evento musical.
Sem sairmos dos Açores, olhando para a mítica filmagem dos Morbid Death ao vivo na Maré de Agosto em ’93, vejamos quem está a pular e a berrar, quem está a saltar por cima da vedação e a ser agarrado por seguranças, devido a doses intensas de excitação juvenil, que precisam ser libertadas via moches, stage dives e todos os rituais naturais de um concerto de música pesada/alternativa.
O que pretendo com este breve texto é uma ode à juventude e ao que ela representa e mantém vivo. Celebre-se a ingenuidade, sinta-se garra e conserve-se a falta de preocupações que ainda temos. Ainda não se foi a nossa energia, energia essa que podemos gastar nos ditos concertos. Viva ao cheiro a suor, viva às nódoas negras, viva aos narizes sangrentos, viva ao dinheiro poupado do almoço de modo a usá-lo noutro tipo de alimento. A fome que nos transforma num casulo de energia estática que no momento de celebração é disparada em todas as direções, sem sequer nos passar pela cabeça em quem acerta ou deixa de acertar e que nos faz querer saber tudo e ainda ter vontade de mais.
Podem dizer que um concerto do Rock in Rio é a coisa mais linda do mundo, com isqueiros acesos no ar e movimentos sincronizados de braços ao ritmo da música. Pois eu digo o que para mim é lindo: o poder de um moche; o headbang sem sentido ou propósito de dança dos “outcasts” do liceu que, naquele momento se borrifam, para todas as “bocas” que levaram ao passar no corredor. Naquele momento, somos nós que temos o poder.
É isto tudo que adoro nestes estilos alternativos, a paixão que é suficiente para nos fazer esquecer de rituais de acasalamento, para simplesmente ter aquele momento de libertação quase divina, sem pretensões e cinismos.
Somos nós que fazemos o pessoal “rodado” e experiente sentir que tem a mesma idade que nós. Somos nós que regamos a nostalgia na cabeça do tal pessoal de braços cruzados que, com todo o direito do mundo, descansa depois de anos passados a viver o que estive até agora a descrever.
Juventude sem vergonhas, é isto que significamos, somos o simbolismo vivo do propósito da música em si e dos concertos. E que venha sangue cada vez mais fresco, que é isso que mantém vivo o que gostamos, e a pedido de uns desses putos que vivem para se “esbagaçar” nesses eventos: não coagulem!
Cronica: Pedro Santos
A Música: Entidade Viva
João Tiago Cardoso |
As coisas são o que
são. A Natureza é um fenómeno e a cultura não é mais do que a vida a
manifestar-se ao longo dos tempos, por meio de estratégias
,
tendências, premeditações, espontaneidade e mesmo de delírios. Assim sendo, a música, como fenômeno da vida, é a vida em si e é um registo visível do que as pessoas realmente são, daquilo que vêem no mundo ou no seu próprio ambiente doméstico. A música pode (aquando da sua criação) ser franca e hoje em dia não nos podemos queixar de ela ser reprimida e censurada por parte das instâncias governamentais. Atualmente, temos plena liberdade de fazermos aquilo que quisermos dela e, por isso mesmo, não estou aqui a tentar definir a “sujeita”, pois
esse arcaico debate (do que é a arte ou não é) passou a ser tão irrelevante como o que tenta definir o ser humano. Hoje, a música pode ser sincera, direta ao assunto, militante, romântica, depressiva, irónica, niilista, psicadélica, cristã, satânica, cómica, introspectiva, sexual e sei lá mais o quê. A música aconchega e aproxima a sociedade em épocas difíceis, e a música segrega e sectariza em circunstâncias históricas culturalmente pobres, como que a dizer “Não! Não quero fazer parte do rebanho! Quero ter a minha própria subcultura e pertencer a uma certa tribo urbana.” A música, como reafirmo veementemente, é a própria vida a qual respira e transpira sentimentos, sejam eles quais forem. Porém, a música é do género feminino, não nos esqueçamos, devendo ser acarinhada, ouvida, respeitada e reverenciada. Deve ser posta num altar e ser adorada como uma divindade pagã… Não quer isto dizer que sejamos profanos ao tocarmos música extrema e violenta como o Punk/Hardcore e o Metal, porque bem sabemos que uma boa dose de loucura se considera saudável numa relação amorosa…
,
tendências, premeditações, espontaneidade e mesmo de delírios. Assim sendo, a música, como fenômeno da vida, é a vida em si e é um registo visível do que as pessoas realmente são, daquilo que vêem no mundo ou no seu próprio ambiente doméstico. A música pode (aquando da sua criação) ser franca e hoje em dia não nos podemos queixar de ela ser reprimida e censurada por parte das instâncias governamentais. Atualmente, temos plena liberdade de fazermos aquilo que quisermos dela e, por isso mesmo, não estou aqui a tentar definir a “sujeita”, pois
esse arcaico debate (do que é a arte ou não é) passou a ser tão irrelevante como o que tenta definir o ser humano. Hoje, a música pode ser sincera, direta ao assunto, militante, romântica, depressiva, irónica, niilista, psicadélica, cristã, satânica, cómica, introspectiva, sexual e sei lá mais o quê. A música aconchega e aproxima a sociedade em épocas difíceis, e a música segrega e sectariza em circunstâncias históricas culturalmente pobres, como que a dizer “Não! Não quero fazer parte do rebanho! Quero ter a minha própria subcultura e pertencer a uma certa tribo urbana.” A música, como reafirmo veementemente, é a própria vida a qual respira e transpira sentimentos, sejam eles quais forem. Porém, a música é do género feminino, não nos esqueçamos, devendo ser acarinhada, ouvida, respeitada e reverenciada. Deve ser posta num altar e ser adorada como uma divindade pagã… Não quer isto dizer que sejamos profanos ao tocarmos música extrema e violenta como o Punk/Hardcore e o Metal, porque bem sabemos que uma boa dose de loucura se considera saudável numa relação amorosa…
Tudo isto é muito
bonito, mas fazendo uma segunda análise, de um ponto de vista
governamental/estatal, até que ponto tudo isto é reconhecido? Bem, numa
sociedade liderada por valores patriarcais e a viver, claramente, no passado,
parece-me que a feminilidade musical, em todo o seu esplendor e como
manifestação imediata da juventude, não tem vindo a ser assumida e
impulsionada, na medida em que aquilo que se subsidia (em termos de projectos
musicais) é um retrato do passado da nossa terra e é talvez desse modo jogar
pelo seguro e manter um conveniente estado das coisas. Não sei se estarei a ser
ridículo ou conspirativo nesta análise-caricatura, mas também não podemos
esperar que queiram transmitir as coisas como elas realmente são, que se
prefira pagar para transmitir uma imagem dos Açores a berrarem e a cuspirem
sangue pelas goelas, em desfavor de os pôr a cantar “ponha aqui o seu pezinho
devagar devagarinho” – esta última uma imagem muito mais convidativa e
nostálgica para o turista, emigrante e população envelhecida. A dona Música
prefere-se com um vestido típico-tradicional no seu lugar comedido em que não
sobressaiam as suas mais puras qualidades e mais atraentes formas corporais.
As coisas são o que
são. O mundo da música é difícil nos Açores? O mundo da música é difícil em
todo o lado e o que se passa aqui não foge à regra, para além do facto de que
se residíssemos no continente teríamos a hipótese, se estivéssemos alinhados
com essa apaixonada intenção, de tocar em tudo o que era canto, tocar de norte
a sul do país (e talvez pela Europa), porque a probabilidade de encontrarmos
pessoal que curte o nosso som num território muito mais vasto seria muito
maior. Considero que nos encontramos numa era em que reconhecemos as nossas
limitações e isso permite-nos olhar para o futuro optando por novas estratégias
as quais passam, a meu ver pela autogestão de uma banda e pela utilização de ferramentas
como os novos meios de comunicação, dos quais ainda desconhecemos o mínimo do
seu potencial. Se quisermos, conseguimos ser profissionais no nosso trabalho e
o mais belo de tudo é que apesar de tudo e qualquer falta de apoio, ela
continua sempre a espalhar a sua magia. Na Natureza ocorrem parcerias e
simbioses e o mesmo se vê a acontecer na nossa ilha ao ponto de vermos as
bandas como uma grande família com elevada percentagem de consanguinidade
(diga-se incesto), em que acabam por viver todos debaixo do mesmo tecto (sala
de ensaios) para dividir os custos da renda e, muito sinceramente, acho isso
comovente e bonito de se ver. As coisas são como são e a vida continua. A
música é eterna.
Crónica:
João Tiago Cardoso
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